Tá Perdido? Pergunta, sô.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Like a Stone



Preferiu andar só naquela tarde. Não queria carregar consigo nada que o tirasse da órbita. Estava exatamente onde queria estar. Caminhava com passos fortes e largos. Enquanto sua mente eclodia vulcões e disparava rajadas, a apatia prevalecia. Nada parecia fazer sentido, mas - hei - sentido era a última coisa que ele precisava! "Para que sentido? Para que sentir?".

Trocava olhares com outros transeuntes, ora com desdém, ora com sedução. Por mais que odiasse a humanidade, todas as divindades e todas as coisas desse e de outros mundos, estava inexplicavelmente atraente nesse dia. Sentia olhares de desejo, mas respondia com opressão, indiferença e guerra. Todas as relações estavam quebradas, todas as irmandades eram falsas, todas as negociações malfadadas.

Amaldiçoou por diversas vezes todas as condições, todos os casos, todas aquelas palavras, tudo aquilo que refletia o que o Universo dos outros parecia não ver. Naquele dia, foi tão profundo em sua demência que resolveu teoremas, encontrou a cura de todas as doenças, provou a existência de seres improváveis; mas não compartilhou essas informações com ninguém. Por que? "Because fuck you!" .

Caminhava, respirava fundo, declarava guerra contra todas as potências! "wtf is wrong with me, anyway?!". Rasgou sua alma em mil pedaços, depois juntou-os todos. Colou cada pedaço com angústia, sacudiu a poeira e passou a levitar. Quando terminou o asfalto, fez-se demônio alado e saiu flutuando tal qual um abutre, emanando desprezo em todos que o vissem passar. Contudo, quem quer que o visse mal sabia do perigo que corria ao se confrontar com o demônio em pessoa.

Naquela noite, dormiu o sono de Hades, comeu o pão do demônio e sonhou os sonhos de Pandora. Acordou ferido, olhou-se no espelho. O espelho virou pedra. Vestiu-se, calçou seus sapatos de pedra. Trancou a porta com a chave de pedra, passou mercúrio de ácido em todas as feridas. Já não sentia mais nada, a não ser a dor das cicatrizes. Dores que viraram coceiras irritantes. Que viraram marcas. Que viraram pedra. Era tudo o que tinha, era tudo o que seria, foi o que se pode fazer sobre tudo. Até que a maldição terminasse, era assim que teria que se acostumar a ver tudo: duro, insípido, desprovido de glórias, beleza, cores. Apenas pedra.