A mesmice nunca me trouxe nenhuma novidade.
Venho caminhando mundo afora desde quando nem me lembro. Venho desmembrando insetos, acontecimentos, amizades, corações partidos, e... nada muda. Insetos manetas não voltam para suas casas, acontecimentos nunca são desfeitos, amizades vão e voltam, ou nunca vão, ou nunca voltam e o coração partido é pouco mais que um vaso frágil. Você pode colar as partes, mas as marcas permanecem.
Venho disseminando a discórdia e o amor, venho exacerbando sentimentos e expressões, venho, venho, venho... e ainda permaneço inerte dentro de mim. Descobri depois de algum tempo, que eventualmente fugimos de tudo. Eventualmente logramos momentos inconsequentes que nos separam das pessoas regulares, mas todas as pessoas são regulares e medíocres. Tenho desenvolvido milhares de teorias ao longo dos anos, mas quanto mais eu cavo, mais próximo da superfície eu me encontro. Quer seja de onde comecei, ou para onde estou indo. Parece que os caminhos zombam de quem caminha.
Cabe a quem, então, o dissabor do viver o sonho, quando trata-se de um pesadelo permanente? Quem paga as contas de viver honestamente, quando o desonesto é vangloriado pelo desprezo ao que o mundo enquanto mecanismo de controle proporciona? Qual é o valor do dinheiro, então, senão a mensuração brutal do valor de tudo? O presente deve significar o que ele é, ou o que ele vale? E nós? Devemos significar o que somos, ou o que valemos? Quanto valemos? Quem é que cuida da precificação de caráter? De amabilidade? De ignorância? Quanto você vale no mercado?
Quem ousa, então, viver em permanente estagnação? Por que a mudança afeta tanto a quem mudou, e a quem notou a mudança no outro? Por que as surpresas são mais assustadoras do que excitantes? Quanto o mercado cobra pelas novas descobertas, novas experiências, novas técnicas, novas inspirações? Por que de repente todo mundo tem uma opinião sobre uma crise em Tão Tão Distante Land, mas não emite uma opinião sincera a um ser vivo próximo?
Algum dia (e isso vai demorar), nós vamos rir de (quase) tudo isso. Um dia, vou olhar para o passado com desdém, observar as barreiras que atravessei. Um dia, os escombros que usei de escada terão o formato do meu pé. Minhas pegadas contarão minha história, minha trajetória. Quando eu penso no futuro, quase sempre me encontro vivenciando uma realidade que não é minha. Eu fecho os olhos, e sinto uma brisa que me acalma, e me promete que é verdadeira. Eu ouço risinhos tolos, vejo olhares perdidos buscando o máximo do horizonte. Eu conto epopéias em forma de conversas, eu cresço e inspiro admiração dos outros.
Eu salvei o mundo, porque eu salvei a mim mesmo. Meu mundo sou eu, é meu e não está a venda. Eu faço dele circo quando sorrio, brisa quando esquenta, tempestade quando temo, fusões nucleares quando me enervo, hollywood quando amo. Quase nunca interfere no andamento instável do mundo dos outros, mas isso não importa: houvessem me perguntado antes, eu teria pedido mais uma porção do que eu sou, sem mudar nada.
Feliz natal, e um próspero ano novo!
*ao fundo: Aerosmith - Ain´t That a Bitch*