O Universo é grande demais para nós dois. Assim, que cada um de nós deveria posicionar-se suficientemente longe um do outro, para evitar conflitos maiores.
Contudo, ela vive a me perseguir sob os holofotes mais irritantes possíveis. E veja, eu sou um daqueles caras que se irritam por qualquer coisinha. Um temperamentel, um nervoso, uma coisa. Tento na penumbra ou na aurora me manter entretido sob os efeitos do divertimento eletrônico simples, e lá está ela a interferir no meu passatempo. Incomoda meu estar, atrapalha minha visão, zomba de minha superioridade. A vingança é um prato que não tem preço, não está no cardápio: mas pedindo com jeitinho, o garçom dá um jeito de trazer para que a saboreie.
O Universo é pequeno demais para nós dois. Sobretudo quando a um de nós deu-se a dádiva do córtex avantajado e o dedo polegar opositor e ao outro um par de asas. " - Voe pra longe, diabos!" Qual nada. A ela não é possível acatar ordens, resmungos ou qualquer meio de comunicação que só funciona aos seres humanos. Vida injusta e besta, é isso que temos!
E não adianta tentar alocar à minha pessoa sobrenomes tais quais ranzinza, nervosinho, idiota, ou nenhum outro. Nada me acalma ou consola quando se trata desse assunto. Se eu tivesse asas eu iria conhecer todas as culturas, iria ziguizaguear pelos brejos e florestas mais distantes, trataria de aumentar meu carimbos na bagagem. Mas ela? Ela não leva bagagem alguma senão a própria irritabilidade in natura. E não está a venda! Não, ela guarda para si as mazelas do irritamento alheio como forma de divertimento.
Por isso, o confronto é inevitável: eu, do meu lado, tentando o entretenimento e ela, por sua vez, não o permitindo. Guerra é guerra! No sexto dia criou-se o homem, e a ele prometeu-se dominar todas as criaturas. Como ela ousa então atrapalhar o meu futebol de domingo? Não, não poderia mais aturar tamanha insubordinação. A incompetência de sentidos não pode prevalecer frente ao dedo polegar opositor e às ferramentas macabras que fomos capazes de construir. Eu não contribuí em nada com a indústria química, senão como utilitário.
Era mais um domingo, e eu sentava no meu confortável e companheiro sofá da sala, assistia a qualquer programa estúpido apenas para que eu fingisse que estava ganhando tempo na vida, e ela não hesitou em vir visitar-me. Dentre todos os espaços aéreos que existem no Cosmus, aquela maldita mosca decidiu gazetear exatamente no espaço mínimo que fica entre o meu sofá e minha televisão. Voava em rápidos movimentos retangulares em busca de irritar-me ao máximo, e irritar-me ao máximo foi o que logrou o maldito inseto, com seus 3 pares de patas articuladas e um par de antenas. Aquele ser asqueroso comedor de merda, com seu corpo dividido em cabeça, tórax e abdômen.
Eu reparava um sorriso naquele bicho dos infernos, ainda que não houvesse uma boca. Mal sabia ela. Levantei-me do sofá, com algum esforço, é verdade. Caminhei até o armário da área de serviços, em busca da solução definitiva. Refleti por algum tempo sobre o absurdo de não saber dividir o espaço do universo. Mas eu não posso escolher onde irei entreter-me com a televisão, e menos ainda permitir que um inseto voador consiga tirar-me do sério de forma mais veloz do que um outro ser humano. Julieta (foi como a chamei) tem que morrer! E morrerá pelas mãos dos inventos que só poderiam ter sido elaborados pelo verdadeiro rei de todos os seres vivos: o Homo Sapiens. Eu, no caso. Tratei de buscar o inseticida, e borrifei sobre seu corpo quantidade suficiente para exterminar a espécie da face da Terra. E ela caiu zonza no tapete. Sorri satisfeito. E Julieta se foi, para sempre. E o Universo chorou pela minha ignorância. E choraram as 2.500 larvas recém-órfãs, que Julieta deixou como legado. Eu? Mantive o orgulho tal qual um monarca medieval. Meu feudo estava protegido.
Tentei utilizar o inseticida na televisão, algum tempo depois. Mas não surtiu o efeito que eu desejava: o vôo retangular de Julieta me trazia mais idéias do que aquele entretenimento barato de quinta. Se ao menos pudesse trazê-la dos mortos, poderíamos compartilhar a chatice. O Universo era cruel demais para nós dois. Mas deste mal, Julieta livrou-se. E a culpa foi minha.