Tá Perdido? Pergunta, sô.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Ensaios


Finalmente, sentou-se e acendeu um cigarro, enquanto refletia sobre os pêsames e o tédio. Dia corrido, comum, chato. Faltava aventura, emoções novas, desafios válidos e.... papel higiênico. Faltava papel higiênico. Maldisse a vida o quanto conseguiu e por quanto tempo aguentou, até que terminaram os adjetivos repulsivos conhecidos pela humanidade. Estava só. Como sempre, buscava ver o lado bom de tudo, então gargalhou alto enquanto caminhava semi-nua até a cozinha. Agarrou com vergonha o rolo de papel toalha, porque 6.000 anos de evolução humana não foram o suficiente para que ela conseguisse abastecer a casa recém alugada com os suprimentos mínimos necessários para uma sobrevivência sadia e moderna. "Parecia mais fácil na teve..." - pensou.
Tomou um banho morno. Era uma noite agradável de outono, a chuva já havia terminado. Não estava cansada, apenas aborrecida. Enquanto a água caía sobre seu corpo, Amélia tentava organizar o dia seguinte. Ela reconhecia o fato de que era metódica. Tentava eventualmente desvencilhar-se desse pequeno trejeito, mas era maior do que si: não conseguia sair de casa sem saber o que lhe esperava lá fora. Reunião com um representante de Ouro Preto, almoço com a secretária do Dr. Penteado, fechamento do relatório trimestral. Parou por um momento e deu um sorriso juvenil. "Papel higiênico, Amélia. Não esqueça do papel higiênico...". Aparentemente, o dia seguinte não reservaria surpresas.

Saiu do banho e vestiu-se com vaidade, apenas porque havia um espelho no corredor. Não esperava ninguém naquela noite, não tinha fome e a Tv a cabo ainda não havia chegado. Tomou um iogurte e foi sentar-se na sala. Sabia que faltava alguma coisa naquele espaço, mas não conseguia achar tempo para descobrir o que poderia ser. "Talvez uma samambaia...". Riu-se. Admirava sua personalidade forte e sua ironia. Muito frequentemente arrancava risadas das pessoas à sua volta. Era natural. Ligou a televisão e procurou algo interessante. "Futebol de novo? Por favor... ". Ligou para sua casa. Casa de sua mãe. Não conseguia acostumar-se com a idéia de não poder chamar a casa onde cresceu, de sua. Conversaram um pouco, riram-se dos papelões cotidianos e agendaram um encontro no fim de semana. "Não é possível, agora tenho que marcar reunião com minha própria mãe? ".

O relógio na parede marcava dez horas. A insônia, por sua vez, marcava presença. Procurou na estante algum DVD que por ventura ainda não houvesse visto, mas já conhecia a resposta. Amélia tinha uma paixão mágica por filmes, desde pequena. Devorava os filmes no instante em que os tinha em mãos. Não era seletiva quanto a país de origem, história, atores. Gostava da magia do inesperado, da fantasia do fictício, das possibilidades infinitas que só os melhores estúdios de efeitos especiais podem produzir. Gostava de ver, sozinha, realidades intensas que lhe dessem momentos para acreditar que a vida não era apenas o dia-a-dia, e sim um grande interlace de acontecimentos aleatórios, que levariam a um grande orgasmo final. Não a morte, mas os letreiros.

Conforme o esperado, passou algum tempo vendo as caixas dos filmes e lembrando os sonhos que cada um deles a inspirou a querer ter algum dia. Desistiu depois de algum tempo, quando os primeiro sinais de sono apareceram. "Amanhã ainda é rodízio, preciso acordar cedíssimo!". Olhou-se no espelho do corredor enquanto encaminhava-se para o banheiro, para escovar os dentes. Sabia que era uma mulher, mas ainda reconhecia-se como criança. Não conseguia perceber o sinal dos tempos, a não ser quando alguém de fora comentava. Sorriu sinceramente para o espelho, que retribuiu o sorriso com carinho. Estava só. Não era completa, não vivia o sonho da família, não tinha tudo o que queria. Mas era feliz. Dormiu aquela noite acompanhada do urso Jê, presente de seu avô. Não soube porque, mas dormiu sorrindo aquela noite. Só mais um dia comum, só mais uma noite agradável. Só mais um. Só.

5 comentários:

Yellow disse...

Final alternativo:

Não acordou no dia seguinte. Morte súbita. Viu? Não viva sua vida no automático, viva intensamente porque qualquer dia pode ser o último dia do resto de sua vida.

Especialmente pro mala do meu irmão que fica buscando sentido em tudo. Leia a Capricho, você vai encontrar o sentido da vida.

Bjsmetuíta.

Anônimo disse...

Amélia não ligou para ninguem naquele dia- estava exausta. Foi dormir e morreu. ninguem se importou...
Ela realmente morreu?
Ela realmente viveu?
Somente Amélia poderia responder...mas ela não está mais.

por Joel (irmão-critico do autor) bah! eu odeio todos voces

Leandro disse...

Texto - nota nove ! Bom de verdade!

Liçãozinha de moral nos comentários: nota zero !

Média 4,5.

"Faça todos os desenhos esquemáticos do cérebro e traga na segunda-feira, junto com um texto dissertativo com o tema 'Qual a função do Branco Mello nos Titãs?' e daí poderemos ver se você escapa da DP."

Ana disse...

"...acreditar que a vida não era apenas o dia-a-dia, e sim um grande interlace de acontecimentos aleatórios, que levariam a um grande orgasmo final."

U-o-u!

Onde é que eu assino?

Morris disse...

Amélia precisa tomar um chá...